Ao se analisar as Estratégias de Ensino, para o trabalho com os meios de comunicação audiovisuais a aplicação de leituras de histórias em quadrinhos, cartuns e charges em sala de aula, surge, a necessidade de compreender o porquê de estes meios provocarem nos alunos leitores algo mais do que mero efeito informativo ou efeito humorístico. Em primeiro lugar é preciso buscar entender de que forma a linguagem destes meios de comunicação audiovisuais produzem significados.
Apesar da considerável semelhança entre estes gêneros textuais, eles possuem características distintas, peculiar a cada um deles. Desta forma, as especificidades desses produtos culturais devem ser consideradas, tais como: circulação na mídia, interação entre código verbal e código icônico, recursos de síntese, linguagem de humor, necessidade de contextualização e de relação com outras narrativas, entre outras.
A palavra inglesa cartoon, usada em várias línguas por falta de equivalentes com o sentido que tem hoje, nasceu em 1841 nas páginas da revista inglesa Punch, a mais antiga revista de humor do mundo. No Brasil, a revista Pererê, de Ziraldo, edição de fevereiro de 1964, lançou o neologismo cartuns”, que seria conceituada como “desenho caricatural que apresenta uma situação humorística, utilizando, ou não, legendas”. (FERREIRA: 1986, p. 361). Já a palavra charge[1], que significa carregar, exagerar e está dicionarizada como “representação pictórica, de caráter burlesco e caricatural, em que satiriza um fato específico, em geral político e que é de conhecimento público” (FERREIRA: 1986, p. 392).
Parece desnecessário questionar a possibilidade de histórias em quadrinhos, cartuns e charges apresentarem um discurso narrativo, eles compartilham os mesmos elementos.
A linguagem utilizada nas histórias em quadrinhos, cartuns e charges faz uso de dois códigos: o verbal e o icônico. Em geral, não há preponderância de um dos dois códigos, o que ocorre é uma combinação de ambos na produção da narrativa de um texto que é conciso, porém eloqüente.
Por misturar palavras e imagens, estes meios de comunicação audiovisuais compõem um meio híbrido ainda pouco estudado. É um texto que faz uso de elementos verbais e visuais a partir de um conjunto de convenções que são partilhadas pelos leitores para que estes possam interpretar o que lêem.
É bastante importante o papel do leitor que realiza a leitura e interpretação destes textos narrativos, pois eles podem até permitir mais de uma leitura, mas freqüentemente impõe somente uma impedindo uma leitura qualquer.
Mais especificamente, as charges exigem do leitor conhecimentos da situação à qual ela se refere. Nem sempre a referência é direta, muitas vezes a situação serve como background para o entendimento da narrativa, principalmente para a compreensão do que está sendo posto em questão, denunciado problematizado, reivindicado, etc. A charge poderia ser dada como um excelente exemplo, do quanto a sua narrativa necessita de contextualização a outras narrativas, exemplificando: as jornalísticas nas suas mais variadas formas (televisivas, radiofônicas, impressas, etc.). Segundo Confortin (1999) o papel da charge é “cravar, num único lance, um ‘retrato’ instantâneo do país”. Para que esse retrato seja compreensível se faz necessário o conhecimento do que está sendo retratado, onde, quando, por que; muitas destas informações não são obtidas da própria charge, mas de outras narrativas sobre o mesmo assunto ou fato.
Uma outra característica destes meios de comunicação audiovisuais é a economia, sua forma rápida e sucinta. Um exemplo de recurso de síntese é o uso de um conjunto de elementos pictóricos que culturalmente foram associados a uma idéia, uma situação, um sentimento, um ente. Pode exemplificar com: uma caveira com uma foice, associa-se a morte; um coração, ao amor; um quadro de giz, uma sala de aula, entre outros.
Se tomarmos os cartuns como um gênero textual narrativo, bem como as outras formas similares, abre-se espaço, para se pensar sobre outra característica desta linguagem, que é a de apresentar seus argumentos com criatividade e humor. O humor é indissociável do riso, não necessariamente o riso audível, mas o riso entendido de forma mais ampla, como um movimento de satisfação do espírito. Mesmo não existindo uma relação entre o humor e o riso, mas uma situação humorística é caracterizada pela intenção de provocá-lo.
O humor e o riso são reconhecidos como fenômenos culturais. Assim é preciso compreender a linguagem de humor como mais um sistema de significação possível, presente em nossa cultura, considerada como aquela que rompe a lógica ao estabelecer a sua própria compreensão do mundo. O humor tem caráter subversivo, aquilo que parecia já estar compreendido é colocado sob uma outra forma. E é essa capacidade dos humoristas em apresentar informações e comentários de forma inusitada e crítica que lhes possibilita falar de muitas coisas, sejam elas do cotidiano, sérias ou não; ou até mesmo trágicas.
No diálogo Banquete de Platão (1999, p. 127), Sócrates defendia que “competia a um mesmo homem escrever comédias e tragédias, pois quem, por sua arte, é poeta de tragédias, também o é de comédias”.
Um outro ponto a destacar nessa compreensão cultural do humor e do riso, diz as conseqüências políticas do humor. Confortin (1999, p. 87) enfatiza o papel político do humor da imprensa escrita por entender que “essas formas de humor[2] impõem-se, política e estruturalmente, no campo das especulações gráficas, não como uma nova arte, nem como nova linguagem, mas como uma nova opção formal na luta por uma nova cultura e uma nova visão de mundo”. Desta forma pode-se concluir que a linguagem de humor implica em ser usada para denunciar, criticar, disseminar idéias, desabafar.
Sabe-se que são muitos os discursos que narram que existem diferentes jeitos de exercer a docência, que nos estimulam a fazer uso de recursos alternativos a partir de artefatos da cultura. Desta forma as nossas identidades docentes vão sendo construídas por esses discursos, na medida em que somos subjetivados por eles.
Os educadores precisam ter clareza de que as práticas pedagógicas são sempre intervenções culturais e políticas, em que as suas atividades estão envolvidos vários saberes e poderes, não somente os disciplinares, mas também aqueles relativos a questões de gênero, sexualidade, classe, etnia, religião, entre outras. Corraza (2001, p.27), pontua que “na diversidade cultural, podemos exercer uma docência artística”. Com esta expressão a autora quer nos chamar a atenção que como professores devemos ser analistas, críticos e artistas, pois a docência
“ao se exercer, cria e inventa (...) nos convoca a lutar na materialidade da cultura. Na criação de espaços, recursos e sustentação para todas as culturas diferenciadas que habitam o mundo de cada um de nós. (...) Docência que recupera e reformula os saberes locais, as línguas caladas, os sujeitos maltratados. Que mais que dialogar com as diferenças, trabalha e segue trabalhando com elas. Que não supõe nunca ‘a partir das diferenças’ para depois elimina-las. Mas que ao contrário, intensifica a diferença para superar as desigualdades, pois são estas que inferiorizam os diferentes”. (Corraza: 2001, p.27)
BIBLIOGRAFIA
CONFORTIN, Helena. Leitura de humor na mídia. In: BARZOTTO, Valdir Heitor; GHILARDI, Maria Inês. Mídia, educação e leitura. São Paulo: Associação de Leitura do Brasil, 1999.
CORAZZA, Sandra Mara. Na diversidade cultural, uma “docência artística”. Pátio – Revista do Professor, Porto Alegre, v.5, n.17, p. 27 – 30, maio/jul, 2001.
ESTEBAM, Maria Teresa (Org.). Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. 3 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
FERREIRA, Aurélio B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
PLATÃO. Banquete. In: PLATÃO. Diálogos I: Mênon, Banquete, Fedro. 21. ed. Tradução Jorge Paleikat. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999. (Clássicos de Bolso).
RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo. Dicionário de Comunicação. São Paulo: Ática, 1987.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Uma introdução ao estudo do humor pela lingüística. D.E.L.T.A. Revista de Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 55-82, fev. 1990.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
[1] Existem outras formas de humor circulando na televisão e na Internet: charges animadas, videocharges (charges eletrônica), apresentando movimento e som.
[2] Cartuns, charges e quadrinhos
Apesar da considerável semelhança entre estes gêneros textuais, eles possuem características distintas, peculiar a cada um deles. Desta forma, as especificidades desses produtos culturais devem ser consideradas, tais como: circulação na mídia, interação entre código verbal e código icônico, recursos de síntese, linguagem de humor, necessidade de contextualização e de relação com outras narrativas, entre outras.
A palavra inglesa cartoon, usada em várias línguas por falta de equivalentes com o sentido que tem hoje, nasceu em 1841 nas páginas da revista inglesa Punch, a mais antiga revista de humor do mundo. No Brasil, a revista Pererê, de Ziraldo, edição de fevereiro de 1964, lançou o neologismo cartuns”, que seria conceituada como “desenho caricatural que apresenta uma situação humorística, utilizando, ou não, legendas”. (FERREIRA: 1986, p. 361). Já a palavra charge[1], que significa carregar, exagerar e está dicionarizada como “representação pictórica, de caráter burlesco e caricatural, em que satiriza um fato específico, em geral político e que é de conhecimento público” (FERREIRA: 1986, p. 392).
Parece desnecessário questionar a possibilidade de histórias em quadrinhos, cartuns e charges apresentarem um discurso narrativo, eles compartilham os mesmos elementos.
A linguagem utilizada nas histórias em quadrinhos, cartuns e charges faz uso de dois códigos: o verbal e o icônico. Em geral, não há preponderância de um dos dois códigos, o que ocorre é uma combinação de ambos na produção da narrativa de um texto que é conciso, porém eloqüente.
Por misturar palavras e imagens, estes meios de comunicação audiovisuais compõem um meio híbrido ainda pouco estudado. É um texto que faz uso de elementos verbais e visuais a partir de um conjunto de convenções que são partilhadas pelos leitores para que estes possam interpretar o que lêem.
É bastante importante o papel do leitor que realiza a leitura e interpretação destes textos narrativos, pois eles podem até permitir mais de uma leitura, mas freqüentemente impõe somente uma impedindo uma leitura qualquer.
Mais especificamente, as charges exigem do leitor conhecimentos da situação à qual ela se refere. Nem sempre a referência é direta, muitas vezes a situação serve como background para o entendimento da narrativa, principalmente para a compreensão do que está sendo posto em questão, denunciado problematizado, reivindicado, etc. A charge poderia ser dada como um excelente exemplo, do quanto a sua narrativa necessita de contextualização a outras narrativas, exemplificando: as jornalísticas nas suas mais variadas formas (televisivas, radiofônicas, impressas, etc.). Segundo Confortin (1999) o papel da charge é “cravar, num único lance, um ‘retrato’ instantâneo do país”. Para que esse retrato seja compreensível se faz necessário o conhecimento do que está sendo retratado, onde, quando, por que; muitas destas informações não são obtidas da própria charge, mas de outras narrativas sobre o mesmo assunto ou fato.
Uma outra característica destes meios de comunicação audiovisuais é a economia, sua forma rápida e sucinta. Um exemplo de recurso de síntese é o uso de um conjunto de elementos pictóricos que culturalmente foram associados a uma idéia, uma situação, um sentimento, um ente. Pode exemplificar com: uma caveira com uma foice, associa-se a morte; um coração, ao amor; um quadro de giz, uma sala de aula, entre outros.
Se tomarmos os cartuns como um gênero textual narrativo, bem como as outras formas similares, abre-se espaço, para se pensar sobre outra característica desta linguagem, que é a de apresentar seus argumentos com criatividade e humor. O humor é indissociável do riso, não necessariamente o riso audível, mas o riso entendido de forma mais ampla, como um movimento de satisfação do espírito. Mesmo não existindo uma relação entre o humor e o riso, mas uma situação humorística é caracterizada pela intenção de provocá-lo.
O humor e o riso são reconhecidos como fenômenos culturais. Assim é preciso compreender a linguagem de humor como mais um sistema de significação possível, presente em nossa cultura, considerada como aquela que rompe a lógica ao estabelecer a sua própria compreensão do mundo. O humor tem caráter subversivo, aquilo que parecia já estar compreendido é colocado sob uma outra forma. E é essa capacidade dos humoristas em apresentar informações e comentários de forma inusitada e crítica que lhes possibilita falar de muitas coisas, sejam elas do cotidiano, sérias ou não; ou até mesmo trágicas.
No diálogo Banquete de Platão (1999, p. 127), Sócrates defendia que “competia a um mesmo homem escrever comédias e tragédias, pois quem, por sua arte, é poeta de tragédias, também o é de comédias”.
Um outro ponto a destacar nessa compreensão cultural do humor e do riso, diz as conseqüências políticas do humor. Confortin (1999, p. 87) enfatiza o papel político do humor da imprensa escrita por entender que “essas formas de humor[2] impõem-se, política e estruturalmente, no campo das especulações gráficas, não como uma nova arte, nem como nova linguagem, mas como uma nova opção formal na luta por uma nova cultura e uma nova visão de mundo”. Desta forma pode-se concluir que a linguagem de humor implica em ser usada para denunciar, criticar, disseminar idéias, desabafar.
Sabe-se que são muitos os discursos que narram que existem diferentes jeitos de exercer a docência, que nos estimulam a fazer uso de recursos alternativos a partir de artefatos da cultura. Desta forma as nossas identidades docentes vão sendo construídas por esses discursos, na medida em que somos subjetivados por eles.
Os educadores precisam ter clareza de que as práticas pedagógicas são sempre intervenções culturais e políticas, em que as suas atividades estão envolvidos vários saberes e poderes, não somente os disciplinares, mas também aqueles relativos a questões de gênero, sexualidade, classe, etnia, religião, entre outras. Corraza (2001, p.27), pontua que “na diversidade cultural, podemos exercer uma docência artística”. Com esta expressão a autora quer nos chamar a atenção que como professores devemos ser analistas, críticos e artistas, pois a docência
“ao se exercer, cria e inventa (...) nos convoca a lutar na materialidade da cultura. Na criação de espaços, recursos e sustentação para todas as culturas diferenciadas que habitam o mundo de cada um de nós. (...) Docência que recupera e reformula os saberes locais, as línguas caladas, os sujeitos maltratados. Que mais que dialogar com as diferenças, trabalha e segue trabalhando com elas. Que não supõe nunca ‘a partir das diferenças’ para depois elimina-las. Mas que ao contrário, intensifica a diferença para superar as desigualdades, pois são estas que inferiorizam os diferentes”. (Corraza: 2001, p.27)
BIBLIOGRAFIA
CONFORTIN, Helena. Leitura de humor na mídia. In: BARZOTTO, Valdir Heitor; GHILARDI, Maria Inês. Mídia, educação e leitura. São Paulo: Associação de Leitura do Brasil, 1999.
CORAZZA, Sandra Mara. Na diversidade cultural, uma “docência artística”. Pátio – Revista do Professor, Porto Alegre, v.5, n.17, p. 27 – 30, maio/jul, 2001.
ESTEBAM, Maria Teresa (Org.). Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. 3 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
FERREIRA, Aurélio B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
PLATÃO. Banquete. In: PLATÃO. Diálogos I: Mênon, Banquete, Fedro. 21. ed. Tradução Jorge Paleikat. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999. (Clássicos de Bolso).
RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo. Dicionário de Comunicação. São Paulo: Ática, 1987.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Uma introdução ao estudo do humor pela lingüística. D.E.L.T.A. Revista de Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 55-82, fev. 1990.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
[1] Existem outras formas de humor circulando na televisão e na Internet: charges animadas, videocharges (charges eletrônica), apresentando movimento e som.
[2] Cartuns, charges e quadrinhos
Nas tiras do cartunista Quino, ele procura apresentar a visão negativa da educação tradicional (fonte: RISCHBIIETER, Luca. Escola quadrada. São Paulo: Segmento. Revista Educação, Ano 9, nº 103, nov. 2005)
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